sábado, 21 de maio de 2011

Visão 1944


Acervo Centro de Documentação da II Guerra Mundial





















Meus olhos são pequenos para ver
a massa de silêncio concentrada
por sobre a onda severa, piso oceânico
esperando a passagem dos soldados.

Meus olhos são pequenos para ver
luzir na sombra a foice da invasão
e os olhos no relógio, fascinados,
ou as unhas brotando em dedos frios.

Meus olhos são pequenos para ver
o general com seu capote cinza
escolhendo no mapa uma cidade
que amanhã será pó e pus no arame.

Meus olhos são pequenos para ver
a bateria de rádio prevenindo
vultos a rastejar na praia obscura
aonde chegam pedaços de navios.

Meus olhos são pequenos para ver
o transporte de caixas de comida,
de roupas, de remédios, de bandagens
para um porto da Itália onde se morre.

Meus olhos são pequenos para ver
o corpo pegajento das mulheres
que foram lindas, beijo cancelado
na produção de tanques e granadas.

Meus olhos são pequenos para ver
a distância da casa na Alemanha
a uma ponte na Rússia,
onde retratos, cartas, dedos de pé bóiam em sangue.

Meus olhos são pequenos para ver
uma casa sem fogo e sem janela
sem meninos em roda, sem talher,
sem cadeira, lampião, catre, assoalho.

Meus olhos são pequenos para ver
os milhares de casas invisíveis
na planície de neve onde se erguia
uma cidade, o amor e uma canção.
 Meus olhos são pequenos para ver
as fábricas tiradas do lugar,
levadas para longe, num tapete,
funcionando com fúria e com carinho.

Meus olhos são pequenos para ver
na blusa do aviador esse botão
que balança no corpo, fita o espelho
e se desfolhará no céu de outono.

Meus olhos são pequenos para ver
o deslizar do peixe sob as minas,
e sua convivência silenciosa
com os que afundam, corpos repartidos.

Meus olhos são pequenos para ver
os coqueiros rasgados e tombados
entre latas, na areia, entre formigas
incomprensivas, feias e vorazes.

Meus olhos são pequenos para ver
a fila de judeus de roupa negra,
de barba negra, prontos a seguir
para perto do muro - e o muro é branco.

Meus olhos são pequenos para ver
essa fila de carne em qualquer parte,
de querosene, sal ou de esperança
que fugiu dos mercados deste tempo.

Meus olhos são pequenos para ver
a gente do Pará e de Quebec
sem notícias dos seus e perguntando
ao sonho, aos passarinhos, às ciganas.

Meus olhos são pequenos para ver
todos os mortos, todos os feridos,
e este sinal no queixo de uma velha
que não pôde esperar a voz dos sinos.

Meus olhos são pequenos para ver
países mutilados como troncos,
proibidos de viver, mas em que a vida
lateja subterrânea e vingadora.

Meus olhos são pequenos para ver
as mãos que se hão de erguer, os gritos roucos,
os rios desatados, e os poderes
ilimitados mais que todo exército.

Meus olhos são pequenos para ver
toda essa força aguda e martelante,
a rebentar do chão e das vidraças,
ou do ar, das ruas cheias e dos becos.

Meus olhos são pequenos para ver
tudo que uma hora tem, quando madura,
tudo que cabe em ti, na tua palma,
ó povo! que no mundo te dispersas.

Meus olhos são pequenos para ver
atrás da guerra, atrás de outras derrotas,
esta imagem calada, que se aviva,
que ganha em cor, em forma e profusão.

Meus olhos são pequenos para ver
tuas sonhadas ruas, teus objetos,
e uma ordem consentida (puro canto,
vai pastoreando sonos e trabalhos).

Meus olhos são pequenos para ver
esta mensagem franca pelos mares,
entre coisas outroras envilecidas
e agora a todos, todas ofertadas.

Meus olhos são pequenos para ver
o mundo que se esvai em sujo e sangue,
outro mundo que brota, qual nelumbo
- mas vêem, pasmam, baixam deslumbrados.


Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 10 de maio de 2011

trechos das cartas *

 
Minha amada,
Retornei na noite passada de uma visita ao QG da brigada no alto das linhas, e, não importa quanto viva, jamais esquecerei essa experiência. Assisti ao mais aterrorizante pesadelo de uma que parece ter saído da imaginação de Dante ou Poe, inexprimível, completamente indescritível. Os 15 desenhos que fiz talvez lhe dêem uma vaga idéia dos horrores, ...


Luciana Fortini




                                                                                                                     Dezembro de 2001
Olá, querido
Jason constantemente pergunta por você. Ele fala com você ao telefone (faz de conta) e pede para que sua mãe e eu façamos o mesmo, ele brinca com você (faz de conta de novo) e pergunta a seu respeito. Quando voltamos para casa, ele perguntou se fomos buscar você.
...

Isabel Cristina



 Querido Conrad,
(...)
Sinto-me muito estranha. Acredito que toda a angústia – uma angústia feroz – se esgotou quando soube pela primeira vez que estavas desaparecido e talvez jamais pudesse retornar. Agora me sinto triste – vazia – irremediavelmente sozinha – e aborrecida por causa do desperdício de uma vida tão maravilhosa, o desperdício de nossas duas vidas. Sei que estás morto. Primeiro o telegrama ...


Leandro Siena



Minha Jeanne

            Te manténs em dia com o mundo e suas mudanças, enquanto penso e vivo como se ainda fosse 1941 – um lapso de três anos. Me dizes que nada mudou, no entanto, quando voltar, te mostrarei as mudanças. Sê paciente comigo, deixe-me aproveitar o máximo, andar de elevador, vagar pelas ruas, aproveitar uma xícara de café, um doce, um sorvete, roupas limpas, ...


Sheila Dal Picolo



Querida mãe,

            Escrevo esta daqui do meu lugar nas trincheiras. À luz de uma fogueira e com muita palha ao redor, está até confortável, embora o frio seja congelante como um verdadeiro clima natalino.
            Creio que testemunhei hoje o mais extraordinário espetáculo que já se viu até agora.
...


Célia Natalina


trechos das cartas **


Primavera de 2004
Querida tia Khadija,

            Fiquei muito contente quando recebi sua mensagem na semana passada. Estamos todos abatidos e desesperançados depois do incidente, mas mamãe está melhor, e acredito que superará a dor. Faris está melhor e os médicos dizem que, em dois meses, ele voltará a andar.
            A senhora me pediu detalhes sobre o acidente, e, ainda que doloroso, irei lhe contar a respeito.
...

Valéria Giaxa


                                                                                                                             
                                                                        2  de Janeiro de 1917

            Caro líder da companhia,
                        Eu, abaixo assinada, tenho um pedido a lhe fazer. Embora meu marido esteja em campo há apenas quatro meses, gostaria de solicitar que lhe fosse concedida uma licença, por causa de nossa relação sexual. Gostaria de ter meu marido uma única vez para satisfazer meus desejos naturais. Não posso mais viver desse modo.

RESPOSTA:

Honrada Frau S.!
...

Fabiola Giraldi




Olá, querida tia Natasha. Uma saudação desde Leningrado.

Oh, tia Natasha, Gália e eu passamos por tanta coisa nesta guerra. Bombardeios, fome e, novamente, imundície e epidemias. Se eu escrevesse sobre tudo isso, duvido que acreditasse em mim.
         Em 27 de setembro, tio Lyosha foi ferido. Em 24 de novembro, papai foi enterrado.
...


Silvio Cracco


Meus queridos pais,
         Se o céu fosse papel e todos os mares do mundo um tinteiro, ainda assim não seria capaz de descrever todo meu sofrimento e tudo o que vejo ao meu redor.
         O campo está localizado numa clareira. Pela manhã nos obrigam a trabalhar na floresta. Meus pés estão sangrando porque levaram nossos sapatos...
...


Evi Bergamini


segunda-feira, 9 de maio de 2011

Ad memoriam




"Fronteiras"


Isabel Cristina, Sheila Dal Picolo, Fabiola Giraldi, Valeria Giaxa, Evi Bergamini, Célia Natalina, Leandro Siena e Silvio Cracco.




A pesquisadora Alessandra Baltazar apresenta ao público a exposição Fronteiras


A sobrinha e sucessora da capitã Altamira, Ivete Pereira L.de Montanha e a pesquisadora Alessandra Baltazar


sr. João Garcia e sr. Pedro de Munari com esposa,  pracinhas batataenses homenageados durante a Solenidade do Dia da Vitória.







Discurso do sargento Agnaldo Luis de Carvalho em memória dos pracinhas brasileiros que participaram do Front Italiano.











Autoridades presentes: o prefeito José Luis Romagnolli, o presidente da Câmara dos Vereadores Carlos Pupin, a vereadora Marilda Covas, a sucessora da capitã Ivete de Montanha, representantes da Guarda Municipal e dos Bombeiros, pracinhas batataenses e familiares.





Os Atiradores homenageiam as mães com rosas











Para ver outras fotos do evento e as entrevistas clicar nos links:

segunda-feira, 2 de maio de 2011

História e Arte

8 de maio de 1945 marca o final da Segunda Guerra Mundial e o mundo conhece as atrocidades e os horrores de uma guerra que envolveu os cinco continentes. A Europa e o resto do mundo festejam nas ruas o dia da vitória e a vida volta a pulsar em meio a tantas ausências. Lentamente o medo e a fome cedem lugar à esperança e à busca por uma vida a ser reinventada...a recomeçar a ser no meio do nada.


Durante a comemoração do Dia da Vitória, o Centro de Documentação da II Guerra Mundial Capitã Altamira Valadares inaugura a exposição Fronteiras que reúne obras de artistas locais que se inspiram em correspondências de guerras retiradas do livro Cartas do Front de Andrew Carroll: são cartas de amor, saudade, amizade, desespero, horror e esperança.


Os artistas foram convidados a produzirem "malas, maletas e caixas", já que nas malas podemos levar lembranças e objetos de uma vida que traz em si a experiência do decorrer do tempo. A partir dessa proposta que integra criação artistica, guerras e memória, o público poderá conhecer e refletir sobre as histórias de pessoas comuns que muitas vezes escreveram na fronteira entre a vida e a morte.

http://www.auschwitz.org.pl/


 



O que torna essas cartas tão extraordinárias não é somente a história que capturam, mas a humanidade nelas contida. Elas nos lembram do custo humano da guerra, e isso, infelizmente, é algo que a maior parte das nações parece esquecer (Andrew Carroll).


links relacionados:
   http://warletters.com       www.postalmuseum.si.edu      www.museodelholocausto.org.ar      www.postaesocieta.it