segunda-feira, 2 de novembro de 2020

02 DE NOVEMBRO DE 1944

 


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2-11-944 – 38th – Pisa – 5ª feira: Dormi até 10 hs fiz café e tomei. Tenda uma desordem – restos de sandwiches – garrafas cerveja – copos, pratos, flores tudo espalhado – Sempre triste – “Dia de Finados”: Ás 12hs,00 almoço – Depois estive revendo uns caixotes: tudo roído por ratos etc (meu macacão está c/ 1 grde buracos nas costas). Eu e Helena acendemos 1 vela para os mortos e defumamos toda a tenda.  O meu tablete queimou imediatamente – Quando já estava pronta pª trabalhar o Mj. Ary mandou me chamar Fui lógo – estava o Cel M. Pôrto. me cumprimentou com toda elegancia e atenção: deu-me pêsames – mandou-me  sentar e perguntou como ia: estavam os Mjs Ernestino e Ary presentes: disse-lhe  q. estava muito triste e q. queria a minha transferência pª a Aeronautica – ficaram surpresos – desejo lhe falar-lhe a sós _ eles sairam: ahi disse-lhe tudo que tenho passado desde o 1º dia exército até a minha punição _ esperasse que tudo ia ser desfeito e q. de hoje em diante ficaria sob os cuidados deles – ando muito contrariada e por pouco não chorei _ Vim para o serviço 15hs,15 _ falei com os sargentos Gabriel e Octaviano _ acabei chorando  - nisto chegou Jura e eu disfarcei - fui–a tenda _ ajuntei minhas cousas e voltei _ Dei as medidas das calças pª Oct. Levar a Pizza – Passei roupa –

 


PÁGINA 161

Entrou 1 italiana com ferito no pé (cousa ligeira) 18hs jantar – Reunião ás 19,15 no mess – meeting: Officers e Nurses all _ Todos reunidos o Cel Wood falou depois do nosso mjor Ernestino transmitiu as ordens: inundação do rio arno – pontes e barragens destruídas – turma engenheiros trabalhando pª ver si empéde a chegada das aguas até aqui _ Ordem de evacuação pelo auto-falante – deixar bagagem maior no alto – carregar só o indispensavel _ manter-se nos postos  e não dar a perceber os doentes da gravidade situação – acomodação se possível  em Edifício de Pizza __ por isso q. o nosso acapamento não se póde quasi andar  - só lama  e os corregos já transbordando _ São 20,20 – Tem 1 brasileiro encharcado e tossindo no shock vae pª a 3 ward. esta irritado _ Hoje estourou muito será minas? De repente me vi só na S.O. tudo tinha saído – inundação já aqui – só tive tempo de colocar o q. é meu em caixotes bem no alto – apanhar o embornal capacete – e cama rõlo e dar o fóra com o coração partido deixando tudo – fui uma das ultimas a tomar o caminhão – muitas colegas só trouxeram a roupa do corpo; tudo isto feito em silencio, no escuro e rápido _ Os doentes e sala

 


PÁGINA 162

 de operações evacuados primeiros- Agua crescendo pavorosate: na parte baixo já as tendas e enfermarias mergulhadas até quasi a cabeça_ Com grde dificuldade vencemos a correnteza deixando para atraz ambulancias e outros transportes com doentes sem poder atravessar a agua. Deixei tudo inclusive as 2 malas novas com belas e valiosas lembranças, fóra toda bagagem de roupas  etc. Chegamos ao Club onde desci nas costas dos boys americanos com agua até a cintura - Ficamos até tarde aguardando a chegada das outras e muitas, nós não vimos – toda molhada – deitei-me as 24hs no chão na cama de rôlo numa sala com 2 americanas-  muito frio e inquietação - Quasi q. foi um dia de Finados também para nós. Porém graças á Deus penso q. saímos todos-

 


TRECHO DATILOGRAFADO POR ALTAMIRA PÓS GUERRA

2-11-44-5ªfeira-Pisa: Dormi até 10hs. Tenda em desordem: restos de sanduiches- garrafas cervejas vazias – copos- pratos- flores, tudo espalhado. Sempre triste. “Finados, Dia dos Mortos”. Meu pensamento voava para o Brasil, num profundo preito de saudade e, em silêncio orava por todos entes queridos mortos e por todos que aqui tombaram, sacrificando suas preciosas vidas, em busca da Paz.

 Depois do almoço estive revendo uns caixotes: tudo roído por ratos etc (bichos do mato). Meu macacão está com um grande buraco nas costas.

Helena e eu acendemos uma vela para os mortos e defumamos toda a tenda. (o meu tablete queimou imediatamente).  Quando já estava pronta para trabalhar, o Mj. Ary mandou me chamar. Fui logo. Era o Cel. M. Pôrto (o nosso chefe), com quem desejava falar. Cumprimentou-me com toda elegancia e atenção. Deu-me os pêsames– mandou-me sentar e perguntou como ia. Estavam presentes os Mjrs. Ernestino e Ary. Disse-lhe que estava muito triste, magoada e que queria a minha transferência para a “Aeronáutica”. Ficaram surpresos e viram nisto um ato de insubordinação, pois ignoravam eles que de há muito (ainda no Brasil), fora este o meu desejo. Não queria deixar de servir, mas em outro setor. Peço-lhes licença para falar a sós. A UM SINAL DO Sr. Cel. Eles saíram. Ahi, então, desabafei: disse-lhe tudo quanto tenho passado, desde o 1º dia exército até a minha punição. Ouviu-me calado e depois me disse: “que tivesse calma, paciência. Esperasse que tudo ia ser desfeito e que de hoje em diante ficaria sob os seus cuidados. Quanto à transfer~encia, só poderia encaminhar o meu ofício de solicitação ao Ministro de Guerra”. As suas palavras produziram o efeito de um bálsamo refrigerando a minha alma feridae, ergueram minhas forças para prosseguir na pior guerra, justamente a que não contava, a GUERRA DOS NERVOS! Ando muito contrariada, tremia como vara verde, por pouco não chorei. Só sei que não podia falar mais nada. Sentí os olhos marejados de lágrimas e uma opressão na garganta. Sem poder dizer mais nada para que as lágrimas não me traíssem, saí e, vim para a sala de operações às 15hs,15’. Falei com os sargentos Gabriel e Octaviano e não pude me conter- acabei chorando. Oh! Deus, dai-me forças para suportar as leis dos homens, porque as Tuas eu as suporto, porque são justas! Nisto chegou Jura e, eu disfarcei- fui à tenda- apanhei meus objetos e voltei.

Entrou uma italiana com ferimento de pé (coisa ligeira). Após o jantar, às 19,15’ reunião no Mess:

 Meeting: Officers e Nurses all _

Todos reunidos Coronel Dr. GEORGE T. WOOD, comandante do 38th EvacuationHospital, falou e, depois o nosso chefe,  major Dr. Ernestino, transmitiu as ordens:

INUNDAÇÃO DO RIO ARNO

Pontes e barragens destruídas – Turma de Engenheiros trabalhando para ver si impede a chegada das aguas até aqui.

Ficássemos atentos ao SINAL DE ALARME, ordem de evacuação, pelo auto-falante, caso tal aconteça.

Deixar bagagem maior no alto – carregar só o indispensável (de preferência agasalhos).

Manter-se nos postos os que estivessem em serviço e, não dar a perceber aos doentes, a gravidade da situação.

Acomodação se possível em Edifícios de Pisa.”

Não sei porque, uma coisa me diz que isto é sabotagem?... É por isso que quase não se pode andar no nosso acampamento: só lama e os córregos (valas artificiais) já transbordando... Pedi às colegas que quando elas acabassem de se preparar, uma delas viesse me substituir por uns instantes, para que eu pudesse fazer o mesmo, mas ninguém apareceu.......

São 20,20’ – Tem um brasileiro encharcado e tossindo no shock -vai para a Ward 3- está irritado! Hoje estourou muito- serão minas?

Não ouviu o ALARME...

Os doentes e sala de operações evavuados primeiros. Sentia as tabuas do assoalho se elevando do solo, fluturando sobre as águas. Íamos pulando de um tablado para outro, com os pacotes e caixas de material cirúrgico, até chegar junto ao caminhão gigante, na porta da tenda. Parece incrível, mas, tudo isto foi feito em silêncio, no escuro e rápido.

 De repente, me vi só na S.O. quase vazia - Todos tinham saído. Inundação já aqui. Só tive tempo correr, já nas águas, colocar apressadamente o que é meu em caixotes bem no alto. Apanhar o embornal, meu Diário, o capacete, mas não aguemtava a cama rolo. Por milagre o Capitão De Cello estava ali, sempre prestativo – não havia tempo a perder – As colegas me gritavam lá do caminhão último, pois a tenda ficava longe, era a ultima, bem no alto. Ele capitão, nem pestanejou, colocou o rolo no ombro e descemos até o caminhão, onde as águas já subiam. Fui uma das últimas a tomar o transporte.

     Com o coração partido demos o fora, e deixamos tudo de belo e precisoso, que vinhamos coletando. Muitas colegas só trouxeram a roupa do corpo. Agua crescendo pavorosamente: na parte baixa, já as tendas e enfermarias mergulhadas até quase a cabeça. Com grande dificuldade vencemos a correnteza, deixando para trás ambulâncias e outros transportes com doentes sem poder atravessar aquele mar de águas lamacentas. Deixei tudo, inclusive as 2 malas novas com belas e valiosas lembranças, fora toda bagagem de roupa, calçados etc. Chegamos no Club dos Oficiais Ingleses, em Pisa, onde desci, lá dentro, nas costas do boy americano, com água até a cintura. Ficamos até tarde aguardando a chegada das outras e, muitas, nós não vimos; com certeza foram para outro lugar. Estamos aos montes. O pessoal do club, se acomodou num só compartimentoe nós invadimos tudo. Descobri numa das paredes do corredor, um armário embutido: era a geladeira deles, repleta de quitutes gostosos. Não resisti e às escondidas meti os dedos nas travessas e saí disfarçadamente. Toda molhada. Deitei-me a meia-noite, no chão, sobre a cama rolo, numa sala, com outras americanas. Muito frio e inquietação.

     Quase que foi dia de “Finados”, também para nós. Porém, graças à DEUS, penso que saímos todos!


INFORMAÇÕES ADICIONAIS: 

O manuscrito original do autointitulado “Diário de Guerra” - nome que a própria autora (Altamira) dá ao seu diário, encontra-se sob a guarda permanente do “Centro de Documentação da II Guerra Mundial Cap. Enf. da FEB Altamira Pereira Valadares” e possui dois volumes de encadernação simples. O primeiro compreende o período de 28/08/1944 [com excertos desde o dia 04/08/1944] a 28/04/1945 e o segundo volume, de 29/04/1945 a 22/08/1945. 
Além dos dois volumes manuscritos,  Altamira datilografou outro diário que ela chamou de livro com a sugestão do título ”Febianas”, numa releitura pessoal entre os anos de 1961 a 1970. Foi nesse diário datilografado que a autora inseriu fotos, cartas, desenhos, etc. já com desejo de publicação de seus relatos. Vale ressaltar que entre os diários manuscritos e o datilografado há supressão ou acréscimo de impressões e relatos.

Nota do Centro de Documentação: O texto datilografado por Altamira foi transcrito com a atualização da ortografia, mantendo a integridade das palavras e pontuações, mesmo quando aparentemente foram utilizadas de forma equivocada pela autora.


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