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2-11-944
– 38th – Pisa – 5ª feira: Dormi até 10 hs fiz café e
tomei. Tenda uma desordem – restos de sandwiches – garrafas cerveja – copos,
pratos, flores tudo espalhado – Sempre triste – “Dia de Finados”: Ás
12hs,00 almoço – Depois estive revendo uns caixotes: tudo roído por ratos etc
(meu macacão está c/ 1 grde buracos nas costas). Eu e Helena acendemos 1
vela para os mortos e defumamos toda a tenda.
O meu tablete queimou imediatamente – Quando já estava pronta pª
trabalhar o Mj. Ary mandou me chamar Fui lógo – estava o Cel M. Pôrto.
me cumprimentou com toda elegancia e atenção: deu-me pêsames – mandou-me sentar e perguntou como ia: estavam os Mjs
Ernestino e Ary presentes: disse-lhe q.
estava muito triste e q. queria a minha transferência pª a Aeronautica –
ficaram surpresos – desejo lhe falar-lhe a sós _ eles sairam: ahi
disse-lhe tudo que tenho passado desde o 1º dia exército até a minha punição _
esperasse que tudo ia ser desfeito e q. de hoje em diante ficaria sob os
cuidados deles – ando muito contrariada e por pouco não chorei _ Vim para o
serviço 15hs,15 _ falei com os sargentos Gabriel e Octaviano _ acabei
chorando - nisto chegou Jura e eu
disfarcei - fui–a tenda _ ajuntei minhas cousas e voltei _ Dei as medidas das
calças pª Oct. Levar a Pizza – Passei roupa –
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Entrou 1 italiana com ferito no pé
(cousa ligeira) 18hs jantar – Reunião ás 19,15 no mess – meeting: Officers e
Nurses all _ Todos reunidos o Cel Wood falou depois do nosso mjor Ernestino
transmitiu as ordens: inundação do rio arno – pontes e barragens destruídas –
turma engenheiros trabalhando pª ver si empéde a chegada das aguas até aqui _
Ordem de evacuação pelo auto-falante – deixar bagagem maior no alto – carregar
só o indispensavel _ manter-se nos postos
e não dar a perceber os doentes da gravidade situação – acomodação se
possível em Edifício de Pizza __ por
isso q. o nosso acapamento não se póde quasi andar - só lama
e os corregos já transbordando _ São 20,20 – Tem 1 brasileiro encharcado
e tossindo no shock vae pª a 3 ward. esta irritado _ Hoje estourou muito será
minas? De repente me vi só na S.O. tudo tinha saído – inundação já aqui – só
tive tempo de colocar o q. é meu em caixotes bem no alto – apanhar o embornal
capacete – e cama rõlo e dar o fóra com o coração partido deixando tudo – fui
uma das ultimas a tomar o caminhão – muitas colegas só trouxeram a roupa do
corpo; tudo isto feito em silencio, no escuro e rápido _ Os doentes e sala
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de operações
evacuados primeiros- Agua crescendo pavorosate: na parte baixo já as
tendas e enfermarias mergulhadas até quasi a cabeça_ Com grde dificuldade
vencemos a correnteza deixando para atraz ambulancias e outros transportes com
doentes sem poder atravessar a agua. Deixei tudo inclusive as 2 malas novas com
belas e valiosas lembranças, fóra toda bagagem de roupas etc. Chegamos ao Club onde desci nas costas
dos boys americanos com agua até a cintura - Ficamos até tarde aguardando a
chegada das outras e muitas, nós não vimos – toda molhada – deitei-me as 24hs
no chão na cama de rôlo numa sala com 2 americanas- muito frio e inquietação - Quasi q. foi um dia
de Finados também para nós. Porém graças á Deus penso q. saímos todos-
TRECHO DATILOGRAFADO POR ALTAMIRA PÓS
GUERRA
2-11-44-5ªfeira-Pisa: Dormi até
10hs. Tenda em desordem: restos de sanduiches- garrafas cervejas vazias –
copos- pratos- flores, tudo espalhado. Sempre triste. “Finados, Dia dos Mortos”.
Meu pensamento voava para o Brasil, num profundo preito de saudade e, em
silêncio orava por todos entes queridos mortos e por todos que aqui tombaram,
sacrificando suas preciosas vidas, em busca da Paz.
Depois do
almoço estive revendo uns caixotes: tudo roído por ratos etc (bichos do mato).
Meu macacão está com um grande buraco nas costas.
Helena e eu acendemos uma vela para os mortos e
defumamos toda a tenda. (o meu tablete queimou imediatamente). Quando já estava pronta para trabalhar, o Mj.
Ary mandou me chamar. Fui logo. Era o Cel. M. Pôrto (o nosso chefe), com quem
desejava falar. Cumprimentou-me com toda elegancia e atenção. Deu-me os pêsames–
mandou-me sentar e perguntou como ia. Estavam presentes os Mjrs. Ernestino e
Ary. Disse-lhe que estava muito triste, magoada e que queria a minha
transferência para a “Aeronáutica”. Ficaram surpresos e viram nisto um ato de
insubordinação, pois ignoravam eles que de há muito (ainda no Brasil), fora
este o meu desejo. Não queria deixar de servir, mas em outro setor. Peço-lhes
licença para falar a sós. A UM SINAL DO Sr. Cel. Eles saíram. Ahi, então,
desabafei: disse-lhe tudo quanto tenho passado, desde o 1º dia exército até a
minha punição. Ouviu-me calado e depois me disse: “que tivesse calma, paciência.
Esperasse que tudo ia ser desfeito e que de hoje em diante ficaria sob os seus
cuidados. Quanto à transfer~encia, só poderia encaminhar o meu ofício de
solicitação ao Ministro de Guerra”. As suas palavras produziram o efeito de um
bálsamo refrigerando a minha alma feridae, ergueram minhas forças para
prosseguir na pior guerra, justamente a que não contava, a GUERRA DOS NERVOS! Ando
muito contrariada, tremia como vara verde, por pouco não chorei. Só sei que não
podia falar mais nada. Sentí os olhos marejados de lágrimas e uma opressão na
garganta. Sem poder dizer mais nada para que as lágrimas não me traíssem, saí
e, vim para a sala de operações às 15hs,15’. Falei com os sargentos Gabriel e
Octaviano e não pude me conter- acabei chorando. Oh! Deus, dai-me forças para
suportar as leis dos homens, porque as Tuas eu as suporto, porque são justas! Nisto
chegou Jura e, eu disfarcei- fui à tenda- apanhei meus objetos e voltei.
Entrou uma italiana com ferimento de pé (coisa
ligeira). Após o jantar, às 19,15’ reunião no Mess:
Meeting:
Officers e Nurses all _
Todos reunidos Coronel Dr. GEORGE T. WOOD, comandante
do 38th EvacuationHospital, falou e, depois o nosso chefe, major Dr. Ernestino, transmitiu as ordens:
INUNDAÇÃO DO RIO ARNO
Pontes e barragens destruídas – Turma de Engenheiros
trabalhando para ver si impede a chegada das aguas até aqui.
Ficássemos atentos ao SINAL DE ALARME, ordem de
evacuação, pelo auto-falante, caso tal aconteça.
Deixar bagagem maior no alto – carregar só o indispensável
(de preferência agasalhos).
Manter-se nos postos os que estivessem em serviço e,
não dar a perceber aos doentes, a gravidade da situação.
Acomodação se possível em Edifícios de Pisa.”
Não sei porque, uma coisa me diz que isto é
sabotagem?... É por isso que quase não se pode andar no nosso acampamento: só
lama e os córregos (valas artificiais) já transbordando... Pedi às colegas que
quando elas acabassem de se preparar, uma delas viesse me substituir por uns
instantes, para que eu pudesse fazer o mesmo, mas ninguém apareceu.......
São 20,20’ – Tem um brasileiro encharcado e tossindo
no shock -vai para a Ward 3- está irritado! Hoje estourou muito- serão minas?
Não ouviu o ALARME...
Os doentes e sala de operações evavuados primeiros.
Sentia as tabuas do assoalho se elevando do solo, fluturando sobre as águas.
Íamos pulando de um tablado para outro, com os pacotes e caixas de material cirúrgico,
até chegar junto ao caminhão gigante, na porta da tenda. Parece incrível, mas,
tudo isto foi feito em silêncio, no escuro e rápido.
De repente,
me vi só na S.O. quase vazia - Todos tinham saído. Inundação já aqui. Só tive
tempo correr, já nas águas, colocar apressadamente o que é meu em caixotes bem
no alto. Apanhar o embornal, meu Diário, o capacete, mas não aguemtava a cama
rolo. Por milagre o Capitão De Cello estava ali, sempre prestativo – não havia
tempo a perder – As colegas me gritavam lá do caminhão último, pois a tenda
ficava longe, era a ultima, bem no alto. Ele capitão, nem pestanejou, colocou o
rolo no ombro e descemos até o caminhão, onde as águas já subiam. Fui uma das
últimas a tomar o transporte.
Com o coração partido demos o fora, e
deixamos tudo de belo e precisoso, que vinhamos coletando. Muitas colegas só
trouxeram a roupa do corpo. Agua crescendo pavorosamente: na parte baixa, já as
tendas e enfermarias mergulhadas até quase a cabeça. Com grande dificuldade
vencemos a correnteza, deixando para trás ambulâncias e outros transportes com
doentes sem poder atravessar aquele mar de águas lamacentas. Deixei tudo,
inclusive as 2 malas novas com belas e valiosas lembranças, fora toda bagagem
de roupa, calçados etc. Chegamos no Club dos Oficiais Ingleses, em Pisa, onde
desci, lá dentro, nas costas do boy americano, com água até a cintura. Ficamos
até tarde aguardando a chegada das outras e, muitas, nós não vimos; com certeza
foram para outro lugar. Estamos aos montes. O pessoal do club, se acomodou num
só compartimentoe nós invadimos tudo. Descobri numa das paredes do corredor, um
armário embutido: era a geladeira deles, repleta de quitutes gostosos. Não
resisti e às escondidas meti os dedos nas travessas e saí disfarçadamente. Toda
molhada. Deitei-me a meia-noite, no chão, sobre a cama rolo, numa sala, com
outras americanas. Muito frio e inquietação.
Quase que foi dia de “Finados”, também para
nós. Porém, graças à DEUS, penso que saímos todos!
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