terça-feira, 3 de novembro de 2020

04 DE NOVEMBRO DE 1944

 

Fachada do 24th general Hospital em Florença




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4-11-44-Sabado – Pizza e Florence : - Cêdo para o Break. no Hospital: como sempre descalça e calças arregaçadas – Lá, já não tinha nenhum doente nosso – todos evacuados _ Insistimos c/ o major pª irmos salvar nossas roupas – ele não deixou e disse  q. ele iria – enquanto discutia com o capitão  méd. Dr. Adolfo Riedel Ratsbone (meu visinho no Rio 56 –S- Dantes) as nurses tomaram o caminhão e nós tambem fugimos (deixei meu diário e a capa com Olga); ele, qdo viu penso q. ficou furioso!- Lá chegando, tiramos toda a roupa possível (amarrei tudo meu com o cinto e gravata numa alça do caminhão (Tunica de lã c/ tudo de valor dentro) – Nos metemos na agua barrenta até a cintura quasi (já havia baixado +- ½ metro) com auxilio de 1 estaca fui tateando para saltar as valas (Bridges) mas assim mesmo as vezes me afundava nelas

 


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; a nossa “Tenda Paquetá” _ tudo nosso em ordem e pouca cousa molhou porq. estava bem alto _  Arrancamos a porta e tentamos fazer 1 jangada mas quase q. virou e ia molhando tudo; resolvemos carregar 1 por 1 nas costas; assim fiz 6 viagens sempre c/ 1 estaca e conseguí chegar aos caminhões quase sem molhar as malas (porem as dos outros encharcadas inutilizaram a nossa, o nosso cuidado a nossa energia  - Cortei as cordas  dos  sacos pois deixei as chaves na túnica e só tinha 1 tesoura) coloquei o que podia dentro (miudezas q. estavam nos armários e caixotes) tudo tão pesado! Não sei como tive força pª tudo! Deus me ajudou e a todos. Já no fim, não dominava o tremor do corpo – estava roxa – gelada e faltava 1 caixote pesado – resolvi deixar o restante e fui com ele protegida por 1 cobertor, felizmente nesta altura chegou 1 jangada improvisada por Dr. Rupi e outros Dr. Monteirinho bem perto larguei o caixote lá subi, me enrolei no cobertor e me deram 1 cerveja; em meio do caminho por sôrte 1 amfibio chegou mais proximo  e nos tocámos para lá – eu remando com a estaca _ subimos _ me acomodei e comi amendoim e tomei cerveja – as colegas começaram a cantar e muitos americanos tira-



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ram fotografias – Depois de muito esperar, partimos e deixamos os nossos brazileiros da jangada _ no caminhão vimos o caminhão brasileiro tombado e os sargentos e oficiaes Dr. Godo etc com bagagem em tabôas nas aguas – seguimos pª o club _ tratei de me enxugar e mudar a roupa encharcada _ Nisto algumas colegas foram almoçar e nós perdemos a condução _ Por fim Miss Almond me chamou me chamou e a Belem q. estava na porta e fomos ao Mess – descalça sempre – O Dr. Ernestino nos ajudou a descer e a subir – pois voltamos na mesma condução – não tinha + almoço – Dr E. não estava zangado  aparentemente e disse  q. nos procuraria amanhã ou depois pois devíamos seguir pª Florença ás 16hs _ eles ficariam na base _ O club todo molhado das nossas bagagens _ O capt. Serra Campos veio c/ Gipp – trouxe – biscoitos, salchichas _ cigarros, fosforos etc e distribuiu mas eu só vi salchichas! Tirou algumas fotografias _ Os caminhoes chegaram e ordem pª colocar a bagagem _ Foi uma desordem e correria! Tudo meu lá dentro – 6 nurses em cada  ambulancia eu, Helena e mais 4 americanas na 2ª ambulancia _ Miss Almond etc na 1ª _ Quasi 3 hs de viagem – sentia sono e dôr nas pernas todas machucadas  _ As veias do corpo distendidas – Chegamos ao 24º Station  Headquartes 24th, General Hospital (U.S.) A.P.O. 379 ás 17hs e após entendimento  subimos o pavilhão das nurses e fumos

 


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ocupando as camas tripê ao longo do corredôr _ eu e Helena juntas _ as outras ainda não chegaram _ respiramos fundo qdo nos vimos no seco. Gde hospital construido em pavilhões extensos e belos – A major chef nos atendeu em tudo junto a nossa Chief Almond.  Aqui tudo chic _ alinhado – uniforme completo e touca. Todas bonitas e bem uniformisadas – As americanas nos receberam com alegria e carinho – fomos lógo – após Yvone ao room de 3 delas _  Madlock nos encheu de cerveja – chocolate – cigarros etc. e conversamos um pouco_ tratou de oficiaes nossos em Grossetito em agôsto e aqui em frente a sacada estourou 1 mina levando 4 milit pelos ares – Têm muito serviço e dissera q. todos os hospitais para alem de Fl. são  horriveis _ Descemos pª o jantar  - fila bandeja e complemento nas mesas – salão servido por garçonettes e controlado por fina mordoma – subimos e tomamos 1 bom banho frio no qto de 1 delas (nos deu toalhas e sabão) Assim molhada descemos – Aproveito a luz do dinning-room e escrevo enqto todos aguardam os caminhões _ Chegada a bagagem – tive a sorte de achar quem me ajudasse – arrumei a cama – mudei pijama e pretendia escrever qdo deu o sinal de alarme- Tudo apagado – não conseguira dormir e assim foi quasi toda  a noite.

 

TRECHO DATILOGRAFADO POR ALTAMIRA PÓS GUERRA

4-11-44-Sábado – Pisa:– PISA e FLORENÇA – 38th.e 24 General Hospital

Cedo para o breakfast, no hospital: como sempre, descalça e calças compridas arregaçadas. Lá, já não tinha nenhum doente nosso – todos evacuados.

 Insistimos com o major para irmos salvar nossas roupas mas, ele não deixou, e disse que ele iria.

FUGA

 Enquanto discutia com o capitão médico Dr. ADOLFO RATISBONA (meu distinto vizinho no Rio) as nurses tomaram o caminhão e, nós também fugimos (deixei meu Diário e a capa com Olga). Ele, quando viu, já estávamos longe, penso que ficou furioso!?

Lá chegando, tiramos toda a roupa possível: amarrei tudo meu com o cinto e gravata, numa alça do caminhão (túnica de lã com tudo de valor dentro dos bolsos)

Enchemo-nos de coragem e nos metemos na agua barrenta até a cintura quase (já havia baixado creio que meio metro). Algumas colegas não desceram, se limitaram a olhar desanimadas para aquele cenário molhado. Com auxílio de uma estaca, fui tateando para saltar as valas (bridges)que eu mentalmente conhecia o traçado, mas, assim mesmo às vezes me afundava nelas.

A nossa tenda “Paquetá”: tudo nosso em ordem e pouca coisa molhou, porque estava bem alto. Achei que o melhor seria levar aos poucos até ao caminhão, mas Berta quis tentar fazer uma jangada, com a porta que arrancamos. Não deu resultado, quase que virou e ia molhando tudo. Perdendo nosso precioso tempo e nos expondo a longa permanência nesta umidade, de águas contaminadas pelas fossas, lixo das enfermarias, salas de operações, Mess etc. Resolvemos carregar um por um dos volumes, nas costas. Cortei as cordas dos sacos, pois deixei as chaves dos cadeados na túnica e só tinha uma tesoura. Coloquei tudo que podia dentro (miudezas que estavam no armário e caixotes). Assim, fiz 6 viagens, sempre com um bastão tropeçando e me ferindo nas cordas, estacas, pregos, que flutuavam invisíveis, sob as águas escuras, e consegui chegar aos caminhões, quase sem molhar as malas (porém, as dos outros, encharcadas, inutilizaram, a nossa, o nosso cuidado, a nossa energia. Tudo tão pesado! Não sei como tive forças. Deus me ajudou e a todos. Ainda tive ânimo para auxiliar uma nurse, que lutava por erguer sobre as águas a sua mala de lona americana (igual a minha): parecia um chumbo. Tive oportunidade de passar pelas tendas das americanas e ver boiando tanta preciosidade abandonadas, principalmente dentro da tenda de Jeanne. Que fazer? Estava além de minhas forças. Ainda penso que eu e Berta carregamos a mala “A” de helena (que não teve coragem de descer do caminhão). Já no fim, não dominava o tremor do corpo – estava cianótica, gelada e, faltava um caixote pesado. Resolvi deixar o restante e fui com ele, protegida por um cobertor (que estava dependurado no alto). Todos lutavam, cada um de per si para diminuir seus prejuízos e, me olhavam preocupados (com certeza o meu aspecto não era nada bom).

A Jangada improvisada e o Anfíbio

Felizmente nesta altura chegou uma jangada improvisada e dirigida pelos Drs. Rupi e José Monteiro (Monteirinho), bem perto. Larguei o caixote lá, subi, me enrolei no cobertor e me deram um frasquinho de cerveja, que boiava. Em meio do caminho, por sorte, um anfíbio chegou mais próximo e nós tocamos para lá, eu, remando com a estaca. Subimos- me acomodei, comí amendoim e tomei cerveja (coisas fora de meus apetites). Em toda esta tristeza e perigo, tudo correu sem alardes e bom humor. As colegas começaram a cantar e muitos americanos tiraram fotografias. Depois de muito esperar pelos demais, partimos e deixamos os meus salvadores na jangada.

 Vimos o caminhão brasileiro tombado; os sargentos e oficiais tentando amparar a bagagem (o peso fora demais). Dr. Godofredo, nas águas, segurava seus volumes numa taboa e olhava para nós que partíamos.

 Seguimos para o Club. -Tratei de mudar a roupa encharcada e me enxugar. Nisto, algumas colegas foram almoçar e nós perdemos a condução.

Perdemos o almoço

Por fim Miss Almond me chamou me chamou e a Belém, que estávamos na porta e fomos ao Mess: descalças sempre. O Dr. Ernestino nos ajudou a descer e a subir, pois voltamos na mesma condução; não tinha mais almoço.... Ele não estava zangado (aparentemente), e disse que nos procuraria amanhã ou depois, pois devíamos seguir para Florença às 14hs. – eles (oficiais), ficariam na Base. O Club, todo molhado das nossas bagagens. O Sr. Capitão Serra Campos, veio do “QG” num jeep. Trouxe: biscoitos, salchichas, cigarros, fósforos etc e distribuiu, mas eu, só vi salchichas. Criatura boa e distinta. Tirou algumas fotografias.

Os caminhões chegaram. Ordem para colocar a bagagem. Foi uma desordem e correria! Tudo meu lá dentro- as escadarias atravancadas.

Seis nurses em cada ambulância. Miss Almold, etc, na primeira. Helena, eu e mais 4 americanas na segunda. Quase três horas de viagem – sentia sono e dor nas pernas machucadas- as veias do corpo distendidas.

24 th GENERAL HOSPITAL

Chegamos às 17hs no Headquartes 24th. General Hospital (“U.S.A.” A.P.O. 379) e após entendimento subimos ao pavilhão das nurses e fomos ocupando as camas tripé, ao longo do corredor. Eu e Helena, juntas _ as outras não chegaram. Respiramos fundo quando nos vimos no seco. A major chief nurse ........................... nos atendeu em tudo junto à nossa Chief Almond.  Aqui, tudo chic, alinhado – uniforme completo e touca. Todas bonitas e bem uniformizadas. Elas nos receberam com alegria e carinho. Fomos logo ao room de 3 delas. Miss Madlock nos encheu de cerveja, chocolate, cigarros etc. e, conversamos um pouco.  Ela tratou de oficiais nossos em Grossetto, em agosto e disse que aqui, em frente à sacada, estourou uma mina, levando 4 militares pelos ares. Têm muito serviço e disseram que todos os hospitais para além de Florença, são horríveis. - Descemos para o jantar – fila, com bandeja e complemento nas mesas– salão servido por garçonetes e controlado por fina mordoma.

Subimos e tomamos um bom banho frio, no quarto de uma delas que (nos deu toalhas e sabonetes). Assim melhoradas, descemos. Aproveito a luz do dinning-room e escrevo enquanto todos aguardam os caminhões.

Chegaram os caminhões

 Chegaram os caminhões com a bagagem colossal. O saguão da entrada, inteiramente tomado. Foi um custo para descobrir os meus pertences. Parece mentira, mas não houve confusão nem extravio – tudo estava ali, mas pingando... Tive a sorte de achar quem me ajudasse transportá-los, pois as minhas forças estão esgotadas. Arrumei a cama – mudei pijama e, pretendia escrever, quando a sirene tocou o sinal de alarme!

Tudo apagado imediatamente – não consegui dormir e, assim fiquei toda a noite.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS: 

O manuscrito original do autointitulado “Diário de Guerra” - nome que a própria autora (Altamira) dá ao seu diário, encontra-se sob a guarda permanente do “Centro de Documentação da II Guerra Mundial Cap. Enf. da FEB Altamira Pereira Valadares” e possui dois volumes de encadernação simples. O primeiro compreende o período de 28/08/1944 [com excertos desde o dia 04/08/1944] a 28/04/1945 e o segundo volume, de 29/04/1945 a 22/08/1945. 
Além dos dois volumes manuscritos,  Altamira datilografou outro diário que ela chamou de livro com a sugestão do título ”Febianas”, numa releitura pessoal entre os anos de 1961 a 1970. Foi nesse diário datilografado que a autora inseriu fotos, cartas, desenhos, etc. já com desejo de publicação de seus relatos. Vale ressaltar que entre os diários manuscritos e o datilografado há supressão ou acréscimo de impressões e relatos.

Nota do Centro de Documentação: O texto datilografado por Altamira foi transcrito com a atualização da ortografia, mantendo a integridade das palavras e pontuações, mesmo quando aparentemente foram utilizadas de forma equivocada pela autora.


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