quarta-feira, 12 de agosto de 2020

12 DE AGOSTO DE 1944


Aspecto da avenida de Casa Blanca, onde ao final estava o Hotel de Transito, 
no qual Altamira ficou hospedada
Acervo do CD II Guerra APV

DIÁRIO MANUSCRITO
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12-8-44- sábado – Chegamos ao Hotel á 1h00’ da madrugada. Arrumei as bagagens e desci á 1h30’. Regularisados os papeis na portaria do Hotel tomamos o “ônibus azul e branco”, oficial ás 2hs’00, seguimos para o aeroporto. Tomamos breakfast. Não destrocamos os francos por não poder agóra. São 3hs40’, aguardamos a hora da partida numa sala de espera. Tive oportunidade de ouvir as instruções sobre uma balsa de borracha salva-vidas e da May-West á um grupo valoroso de americanos que lógo partiu. Os americanos são bem organisados e pródigos- nada lhes faltam nem aos outros. Tomei o remedio. Ás 4hs45’ partiu o nosso avião – muitos militares americanos. As colegas todas mortas de sono_ meus ouvidos estalam. Não tenho acomodação. Afinal todas deitamos no chão e acordei quando me chamaram

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para prender pois íamos descer. Ás 7hs’10 descemos na base aérea (grande) de Oran “Field Elevaton”. Tomamos café c/ pão. Trouxe a colherzinha de madeira para lembrança. Ás 8hs00 propriamente levantou o vôo_ Vista perfeita_ Terrenos cultivados com arte. Muitos aviões de guerra e transporte. Não vi camelos, nem caravanas, nem beduínos a carater. Ás 8hs20’ já se tem uma bela vista do mar em praias e terras lavradas porem com pequena vegetação. Ha pequenas vilages e construções espalhadas porém com simetria. Temos sido recebidas em todas as bases e conduzidas em autos militares e feito refeições sem demais despesas. Passámos por Argel só pelo alto_Senti não descer lá. Ás 11hs30’ tomamos um lunch no avião. Ás 12hs00’ (agóra + 1 hora) = 13hs00’ descemos na base de Tunis. Tomaram 1 tody gelado, menos eu que tomei meu remédio. Ás 13h30’ tornamos a subir. Que pena não vermos a cidade!.. Aqui ha muitos prisioneiros italianos. Ha muitos militares francezes. São bonitos_ usam o “fês” da côr da farda amarelo caki. A vista do alto é bela. Tem-se ainda a impressão dos combates. Ha vestígios. Até aqui 13hs40’, o avião voôo sobre a terra_ agóra sobre o mar – a agua é escura. Passamos sobre a célebre Ilha de Capri ás 16hs07’. Ha semelhança em parte com Paquetá. Durante quasi 40’ minutos o avião passou sobre lavouras, agrupamentos de casas e isoladas tambem. Umas totalmente

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destruídas ou avariadas. O calor mesmo no ar é horrível. Penso que passamos por Napoles. As 17hs10’ descemos na base aerea de Roma- grande destruição.
Achei uma bala no sólo e trouxe de lembrança. Ás 17hs55’ o avião levantou voôo para Napoles. A vista é das mais variadas impressões – Plantações, rio- construções. Ás 18hs55’ chegamos a Napoles. Foi uma surpresa para nós não termos ninguém nos esperando. Foi um caso sério, até que como sempre os americanos nos forneceu 1 caminhão e chauffer italiano para nos conduzir até ao Hospital Center Americano. Lucia havia telefonado para Elsa e se entendido. Infelismente só chegamos ao Hosp. +- umas 22hs00’ quasi mortas de cansaço, com fome e com o corpo mais maltratado nestas 3 hrs do que toda a viagem. A nossa bagagem também sofreu lamentavelmente. O chaufeur conseguiu umas brôas pelo caminho e tambem queria arranjar agua. Berta ia na frente e aceitou o convite de nos levar para ver o Visuvio (verdadeira loucura!!!...) sem nos consultar. O caminhão rodou toda Napoles (uma tristeza de imundície, miseria e destruição até que o caminho se tornou intransitavel, tal a imensidade das lavas que o vulcão vinha vomitando durante 5 mezes. O caminhão tombou de 1 lado e tivemos todas que descer com todo o cuidado. Acorreram os italianos daquelas proximidades e se dispuseram a ajudar com alavancas (1 camiseiro) e, empurrando. Foi um

Lava petrificada do Vulcão Vesúvio
Acervo do CD II Guerra APV
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custo! Já estávamos desesperadas e a escuridão se acentuava. Os italianos fizeram uma festa com as brasileiras, traziam da fonte agua natural e gelada. Os garotos me deram pedras (lavas = pome) do vulcão ainda escaldantes. Finalmente ele conseguiu vencer o trecho_ Voltamos ao caminhão e depois de muito rodar chegamos, com a graça de Deus_ Elza nos esperava e nos levou á casa. O major medico Estelita Luis, foi muito gentil e improvisou uma refeição para nós: suco de tomate_ Patê - Biscoitos _ Geléa_ compóta de pera_ Tudo enlatado. Foi ótimo! Ele é muito bom, se parece com o Mano Berto só q. tem um belo cavanhaque! Ficámos 4 num só quarto no 45 (residencia de oficiaes e nurses) (eu – Olga – Nair e Sylvia). As camas são macas de tripé, sem roupa e sem travesseiro. O banho foi a chuveiro frio (no sub-sólo). Todas nuas num tablado de madeira. As torneiras altas para mim. Fóra na porta escrito assim Nurses Only = só para enfermeiras. Sugeira para nós é mato. Graças a Deus tinha o meu travesseirinho. Nesta noite ainda ficamos conhecendo, o filho do Gel. Buanerse Tte. Wilson – moreno e pequeno (como o pae) e o secretário do Supremo Tribunal do Conselho Militar o sr. Tte Jascindo de Iberê Sá  (425 F.E.B) no aposento de Dr Estelita Lins. Caimos nas macas forradas com as nossas toalhas e dormimos pesadamente. A colega Elza está no 182º Station 84 Hostpital Ward 402 – Medical Center.

TRECHO DATILOGRAFADO POR ALTAMIRA PÓS GUERRA

12-8-44-Sábado-Casablanca:– Voltamos para o hotel á 1 da madrugada. Não fomos dormir, porque não valia a pena. Apesar de cansada nem me deitei; não havia tempo. Arrumei a bagagem e desci á 1h,308. Na portaria não havia despesas a pagar, apenas dei gorjeta ao garçon árabe: 7 cents=Cr$2,80 (era o que tinha). Tomamos o “ônibus azul e branco”, oficial ás 2hs,00, seguimos para o aeroporto. Tomamos o breakfast.São 3hs,40’-aguardamos a hora da partida, numa sala de espera. Tive oportunidade de ouvir as instruções sobre: uma balsa de borracha salva-vidas, e da may-west, a um grupo valoroso de americanos, que logo partiu. Eles, são bem organizados e pródigos- nada lhes falta, nem aos outros. Tomei o remédio. Só ás 4hs,45’, partiu o nosso avião: muitos militares americanos. As colegas todas mortas de sono. Meus ouvidos estalam. Não temos acomodações. Afinal todas deitamos no chão e, só acordei quando me chamaram para me prender, pois íamos descer. Ás 7hs,10’, descemos na grande base de:

 

- ORAN- Algeria –

“ Field Elevation “

Trouxe a colherzinha de madeira para lembrança. Às 8hs,00 exatamente levantou o vôo:- vista perfeita- terrenos cultivados com arte. Muitos aviões de guerra e transporte. Não vi camelos, nem caravanas, nem beduínos a caráter. Ás 8hs,20’, já se tem uma bela vista do mar, em praias  do Mediterrâneo, e terras lavradas, porém com pouca vegetação. Ha pequena villages e construções esparsas, porém, com simetria.

Temos sido bem recebidas em todas as bases, conduzidas em viatura militares e, feitos refeições sem demais despesas. (Vide boletim nº47) Welcome!

Passamos por ARGEL, só pelo alto; senti não descer lá.Ás 17hs,30’ tomamos um lunch no avião.

     Às 12hs,00’ (agora + 1 hora)=13hs,00’, descemos na base de:

-TUNIS-

Tomaram um toddy gelado, menos eu que tomei meu remédio. Aqui são muitos os prisioneiros italianos. Ha muitos militares francêses: são bonitos, usam o fês da cor da farda amarelo-caki. Até aqui 13hs40’, o avião vôou sobre a terra-  agora, sobre o mar– a água é escura.(mediterrâneo) Passamos sobre a célebre Ilha de Capri ás 16hs,07’. Durante quase 40’ o avião passou sobre lavouras- agrupamentos de casas e isoladas também: umas, totalmente destruídas; outras, avariadas. O calor mesmo no ar é horrível. Penso que passamos por Nápoles; não sei porque não descemos?

 Às 17hs,10’, descemos na base de:

-ROMA-

Grande destruição. Achei uma bala no solo e a trouxe de lembrança. Ás 17hs,55’ voltamos pelo mesmo avião e chegamos ás 18,55’ em:- 

- NAPOLES : ITALY, 

            (nosso destino), a 12-8-44. Terminou o turismo de guerra e começa a luta.Foi uma surpresa para nós não ter ninguém nos esperando! Um caso sério! Não sabíamos para onde ir. Lucia, conseguiu falar com Elsa Cansanção e se entendido com ela. Os americanos providenciaram um caminhão e um italiano para dirigi-lo. Achei um nickel brasileiro entre a bagagem e o guardei.

Imaginem os leitores, que só chegamos no Hospital, mais ou menos às 22hs,00, quase mortas de cansaço, com fome e com o corpo mais maltratado nestas três horas, do que toda a viagem de avião. A nossa bagagem também sofreu lamentavelmente. O choufeur, conseguiu umas brôas pelo caminho e também queria arranjar água. Bertha, ia na frente e aceitou o convite dele, de nos levar para ver o vulcão (Verdadeira loucura!!!), sem nos consultar. O caminhão rodou toda Nápoles (uma tristeza de imundície, miséria e destruição), até que o caminho se tornou intransitável, tal a imensidade das lavas que o Vesúvio, vinha vomitando durante 5 meses. O caminhão tombou de um lado e, tivemos todas que descer com todo o cuidado. Acorreram os italianos daquelas proximidades e se dispuseram a ajudar com uma alavanca (que foi um camiseiro- móvel),retirado dos escombros e empurrando. Foi um custo; já estávamos desesperadas e a escuridão se acentuava. As italianas, fizeram uma festa conosco, principalmente com a Nair (segnorina pio bruna e pio forte!). Traziam da fonte, água natural. os bambinos (crianças), me deram pedras-pômes, ainda escaldantes; já fazia um mês que elas foram vomitadas do vulcão! Finalmente eles conseguiram vencer o trecho; voltamos ao caminhão e, depois de muito rodar, chegamos com a graça de Deus, ao Hospital center Americano.

Elza estava aflita nos esperando e nos levou ao Pavilhão 45 (residência dos oficiais e nurses).

O Sr. Major médico brasileiro, Professor, Dr. Estelita Lins, foi muito gentil; improvisou uma refeição para nós: suco de tomate, geleia, compota de pera (tudo enlatado). Pediu noticias do Brasil- Eu tinha conseguido trazer recortes de jornais e deixei-os com ele para lê-los. Em terra estranha, íamos nos unindo, formando uma família brasileira- era uma grande alegria. Nesta noite ainda, ficamos conhecendo o 1º. Tenente Luiz Wilson Marques de Souza (filho do Exmº. General Boanerge Lopes), e o Tenente Garcindo de Iberê Sá. Ficamos pois conversando, satisfazendo as perguntas deles, enquanto íamos matando a fome. Já era bem tarde quando procuramos nos acomodar: Olga, Nair, Sílvia e eu, num quarto. As camas são macas de lona em de tripé, sem roupa, sem colchão,  sem travesseiro. O banho, foi de chuveiro frio (cousa que não fazia antes), no subsolo; todas num tablado de madeira- salão único (coletivo), com diversos chuveiros- as torneiras muito altas para mim. Fora, na porta, escrito assim: “Nurses Only” - só para enfermeiras. Sujeira para nós é mato. Aos poucos íamos nos adaptando ás contingências de uma guerra- não se perdia o pudor, ganhava-se o respeito e discrição, numa vida de campanha coletiva, entre estranhos- procurávamos ser naturais. – Tinha o meu travesseirinho que trouxera de casa, para a viagem. Fazia o par com o que meu esposo fora sepultado. Caímos nas macas, forradas com as nossas toalhas e, dormimos pesadamente..................(Vide foto nº 3)...

Página 15 do diário manuscrito de Altamira

Página 16 do diário manuscrito de Altamira

Página 17 do diário manuscrito de Altamira



INFORMAÇÕES ADICIONAIS: 


O manuscrito original do autointitulado “Diário de Guerra” - nome que a própria autora (Altamira) dá ao seu diário, encontra-se sob a guarda permanente do “Centro de Documentação da II Guerra Mundial Cap. Enf. da FEB Altamira Pereira Valadares” e possui dois volumes de encadernação simples. O primeiro compreende o período de [28/08/1944 com excertos desde o dia 04/08/1944 a 28/04/1945] e o segundo volume, de 29/04/1945 a 22/08/1945. Além dos dois volumes manuscritos,  Altamira datilografou o que ela chamou de livro com a sugestão do título ”Febianas”, numa releitura pessoal entre os anos de 1961 a 1970. Foi nesse livro datilografado que a autora inseriu fotos, cartas, desenhos, etc. já com desejo de publicação de seus relatos. Vale ressaltar que entre os diários manuscritos e o livro datilografado há supressão ou acréscimo de impressões e relatos.

Nota do Centro de Documentação: O texto datilografado por Altamira foi transcrito com a atualização da ortografia, mantendo a integridade das palavras e pontuações, mesmo quando aparentemente foram utilizadas de forma equivocada pela autora.

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