sábado, 8 de agosto de 2020

8 DE AGOSTO DE 1944




DIÁRIO MANUSCRITO
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8-8-44 - Terça-feira – Não fui tomar café. Tomei um bom banho – Vesti farda de gabardine. Os serviçaes negros são muito doceis e fazem tudo. As americanas nurses etc aqui andam em casa á vontade – quasi núas, na frente deles -Penso que

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eles para elas não são humanos. Fazem as camas, passam roupa (senti não trazer meu ferro – aqui tem igual ao meu), engraxam os sapatos; gostam muito dos brasileiros_É proibido dar gorjetas á eles. As meninas deram escondido cigarros e chocolates. Fomos ao café ás 10hs, e tanto seguidas pelo Tenente Ernest Aboulan que é uma dama (gentleman) - otima pessôa. Conversamos um pouco – ele fala inglês, francês, português, clastelhano. É 1 belo homem _Era professor de linguas no México e pretende conhecer o Brasil. Almoçamos _ As refeições aqui são cada vez mais diferentes! Depois ele nos levou á cidade dos negros em seu carro_ É a coisa mais bizarra e interessante_ Trajes originaes _ uns nús _ mulheres semi-despidas _ As cabrochas todas de roupa estampadas viva _ As mães carregam os filhos amarrados nas costas. É uma verdadeira favela. Apesar de ser 3ª-feira, parecia um domingo! Todos na rua. As casas todas só para dormir –_ cosinham, brincam, comerciam na rua. Queria comprar umas lembranças, mas eles pedem muito (por ser extrangeiras) e eu viajava com pouco dinheiro, por ser proibido e também dollar e não dinheiro inglês (posseção inglesa). Depois assistimos durante quasi 3 horas os exercícios de ataque, pelos soldados americanos do Tenent Ernest. Na volta ele nos levou á Cantina e nos pagou c/ seu dinheiro inglês as nossas compras o que trocamos por dollar.

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Accra vista de dia é muito interessante e para mim é a mais bela base aerea do norte da Africa - Casas typicas _ teladas, com varandas _ ajardinadas - Os caminhos contornados de pedras brancas sobressaindo sobre a vegetação e a estrada de pedregulhos. Também a Cantina é a mais sortida _original e beleza artistica. Accra é uma possessão ingleza. Fiquei encantada com tanta arte, beleza, originalidade - objectos trabalhados em marfim (estatuetas - facas para papel -  marcadores de leitura – pulseiras – colares - camafeus, etc.) Cópos de metal lavrados em cores ou lisos com diversos motivos de desenhos; bolsas de couro com pinturas em relevo lembrando logares typicos originarios da China, India e Africa; carteiras para nótas em couro lavrado tambem em côres para homens e senhoras; bolsas em veludo, trabalhadas em prata, originais da China, India = Syndra(uma verdadeira riqueza para festas á noite, enfim uma infinidades de cousas tentadoras! Só senti não poder comprar umas lembranças por 3 motivos: dinheiro, espaço na bagagem e autorisação da alfandega. Comprei 1 bolsa de couro trabalhada, por 5 dollars = 100$000); 1 copo prateado floreado por ½ dollar =30$ e 1 carteira para nótas por

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30 cents (18$000) +- ao todo 7 dolares e 30 cents. Maria do C.C. e Castro comprou 1 linda bolsa de baile, originaria da “India Syndra”.Ja eram 5hs,30 qdo. voltamos ao qto correndo para vestirmos a túnica e renovar a pintura e com surpresa encontramos as 3 colegas que deixamos em Natal e tambem 1 enfermeira ingleza que veio para servir em Accra. O major Leslie Cottrell (comandante) ás 18hs,00, nos esperava as 4, e nos convidou para 1 jantar especial em homenagem a 2 oficiaes americanos que deviam partir pela manhã de volta a U.S. após 2 anos e tanto de ardúo serviço em Accra. Comi lagosta (bife, batata, tomate, cebola, ervilha) otimo prato, pois isto aqui é raro! e muitas outras coisas, mais gostosas, bebidas etc. Houve vários discursos_Quasi no fim chegaram as 3 enfermeiras nossas que superlotaram a mesa. Nossa colega Sylvia nos agradeceu as homenagens. O major me ofereceu o Safa Onça dele. Houve muitas coisas que deixarei para escrever; depois cantamos juntos “Brasil” de Ary Barroso = Aquarela e no fim todos “God Bless America”. Depois ficamos longo tempo conversando. Os ataques se tornaram mais intensos e eu no fim quasi que fui condenada á guilhotina (adoravel) de 1 jovem e belo americano, o capt Jim). Estava

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louca para deitar e graças á Deus, conseguimos sairmos livres a não ser Bertha q. só no fim quasi que fui apareceu + de 24hs. Os negros são muito pobres e submissos.Sem direito á vontade propria. Verdadeiros automátos! É uma tristeza esta democracia! Arrumamos nossas bagagens e nos deitamos. Ás 5hs,30 da manhã de

TRANSCRIÇÃO DO DIÁRIO DATILOGRAFADO PÓS GUERRA PELA ALTAMIRA
8-8-44- Accra:- Dormi bem- Não saí pela manhã. Os serviçais negros são muito dóceis e fazem tudo (todos homens). Fazem as camas- passam roupas- engraxam sapatos. Gostam muito dos brasileiros. É proibido dar gorjetas mas, as meninas deram escondido: cigarros e chocolates.

     O calor é demais. As nurses, enfermeiras americanas aqui na R.C., andam em casa á vontade: quase despidas ou com as vestes diáfanas, na frente dos negros. Penso que eles para elas não são humanos e, que elas para eles, são divindades: adorar sem olhar nem tocar! Eles são muito pobres e submissos- sem direito á vontade própria- verdadeiros autômatos! É uma tristeza esta democracia!-
     Após o café estivemos conversando com o Tenente Ernest A. Boulan, designado para nos atender durante permanência aqui. ele é um gentleman e um belo homem. Fala inglês, português, castelhano etc Era professor de línguas no México e pretende conhecer o Brasil.
Almoçamos- as refeições aqui são cada vês mais diferentes!
Depois, ele nos levou em seu carro á cidade dos negros: É a coisa mais bizarra e interessante: trajes originais- uns nus- mulheres semi-despidas. As cabrochas , todas bamboleando com roupas estampadas vivas. É uma verdadeira favela. Apesar de ser 3ª. feira, parecia domingo! Todos na rua- as casas todas abertas e vazias; servem só para dormir. Eles, cozinham, lavam, brincam, tecem, comem e comerciam na rua. Queria comprar umas lembranças, mas eles pedem muito por sermos estrangeiras- Não havia cambiado o dólar em libra e sobretudo é proibido o contacto com eles, devido a uma espécie de cancro que grassa nos gentios. Depois, assistimos durante quase 3 horas, os exercícios de ataque, dos soldados americanos, comandados pelo nosso bravo Tente. Erbest. Na volta, ele nos levou Á Cantina. Fiquei encantada com tanta arte, beleza e originalidade. Objetos de marfim trabalhados: estatuetas, facas para papel, marcadores de leitura- pulseiras- colares- camafeus etc. Copos de metal ou prata, lavrados em cores ou no natural, com diversos motivos de arabescos. Bolsas e carteiras em couro lavrado, com pinturas em relevo, lembrando lugares típicos das regiões da China, India, Cairo, Syndra. Bolsas de veludo bordadas com fios de prata, representando o deserto, a esfinge, os pagodes; uma riqueza para festas á noite. Enfim, uma infinidade de coisas tentadoras. Fiquei encantada com o conjunto delicado das “Três Graças”, em marfim, mas era caríssimo. Comprei apenas uma interessantíssima bolsa, uma carteira para notas e um copo por 5 dollares – 30 centes ½ dólar respectivamente, (cambiado). Desejava trazer mais lembranças mas o dinheiro diminuía, a bagagem crescia! Antes mesmo de chegar na guerra.
     Accra é uma possessão inglesa- Vista de dia é muito interessante e para mim é a mais bela base aérea do norte da Africa, que conheci, assim como a sua cantina é a mais sortida e atraente. Na parte residencial dos militares tudo é bonito : casa típicas, teladas, com varandas- ajardinadas. Os caminhos contornados de pedras brancas, sobressaído á vegetação, que é pobre, e a estrada de pedregulhos. Tudo, um capricho! Há paisagens dignas de uma tela.
     Não fui visitar o hospital, onde só tem enfermeiras americanas e inglesas. Já eram 5hs,30’, quando voltamos correndo ao quarto para vestirmos as túnicas, renovar a pintura e, com surpresa encontramos as três colegas que deixamos em Natal e também uma enfermeira inglesa que veio para servir aqui.
     Ás 18hs. o comandante nos esperava (as 4), para um jantar especial, em homenagem a 2 oficias americanos, que deveriam partir pela manhã, de volta aos U.S.A., após 2 anos de árduo serviço em Accra. Os garçons servem os pratos, todos em traje branco e o chefe se distingue por um cinturão (vermelho?), faixa larga a tira-cólo e um fês na cabeça- imponente! Comi lagosta, bife encebolado com tomates ervilhas-batatas), ótimo prato, pois isto aqui é raro! e, muitas outras cousas mais gostosas, bebidas, etc. Houve vários discursos e muitas outras cousas mais. Quase no fim, chegaram as 3 colegas que superlotaram a mesa. P major me ofereceu o seu “Safa-Onça”, que era bem diferente do nosso e, eu fiquei de dar o meu. Vinha gastando o meu pobre inglês e cada dia aprendia mais um pouco. Nair, que não se desgarrava do seu livreto, acabou dando um aparte extemporâneo, durante o águape, quando o chefe falava; felizmente todos acharam graça e nós caímos na risada. Silvia, em breves palavras agradeceu as homenagens ás brasileiras. Cantamos juntos a “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, pois eles gostam muito e, no fim “God Bless America”. Ainda ficamos longo tempo conversando nas varandas. O major nos disse que ele era moço e forte e que a sua cabeça havia se embranquecido nestes dois anos de luta na Africa. Como era natural, todos contentes com a presença do belo sexo e, alguns sequiosos de mais alguma cousa rara neste deserto. O tenente Ernest, nosso guardião percebia e compreendia nossa situação, pois conhecia os nossos costumes, nossa educação e modo de agir, diferente dos outros países, e tudo fazia para evitar qualquer mal entendido. Foi uma ginastica diplomática- Assim mesmo, quando nos retiramos, um belo, jovem e adorável capitão nos acompanhou também. Quando chegamos a R.C., ele se colocou atrás de mim, segurando minhas mãos, dizendo ao tenente que ele era capitão e que desejava passar a noite comigo! Fiquei atônita- implorei a Sílvia que explicasse a ele que nós brasileiras, não estamos habituadas ao mesmo modo de agir das demais, que não interpretávamos mal a atitude dele, que nos desculpasse e me deixasse- Ditas estas palavras, ele compreendeu- perfilou-se corretamente e se retirou em passo firme de marcha. Ao mesmo tempo com pena e aliviada, me recolhi aos aposentos, sob uma chuva de comentários diversos. Preparamos tudo e nos deitamos.

 Página 05 do diário manuscrito de Altamira

Página 06 do diário manuscrito de Altamira


Página 07 do diário manuscrito de Altamira

Página 08 do diário manuscrito de Altamira


INFORMAÇÕES ADICIONAIS: 

O manuscrito original do autointitulado “Diário de Guerra” - nome que a própria autora (Altamira) dá ao seu diário, encontra-se sob a guarda permanente do “Centro de Documentação da II Guerra Mundial Cap. Enf. da FEB Altamira Pereira Valadares” e possui dois volumes de encadernação simples. O primeiro compreende o período de [28/08/1944 com excertos desde o dia 04/08/1944 a 28/04/1945] e o segundo volume, de 29/04/1945 a 22/08/1945. Além dos dois volumes manuscritos,  Altamira datilografou o que ela chamou de livro com a sugestão do título ”Febianas”, numa releitura pessoal entre os anos de 1961 a 1970. Foi nesse livro datilografado que a autora inseriu fotos, cartas, desenhos, etc. já com desejo de publicação de seus relatos. Vale ressaltar que entre os diários manuscritos e o livro datilografado há supressão ou acréscimo de impressões e relatos.

Nota do Centro de Documentação: O texto datilografado por Altamira foi transcrito com a atualização da ortografia, mantendo a integridade das palavras e pontuações, mesmo quando aparentemente foram utilizadas de forma equivocada pela autora.

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